EMENTA: CÉDULA DE CRÉDITO COMERCIAL. FINANCIAMENTO COM O OBJETIVO DE INCREMENTAR NEGÓCIOS DA EMPRESA. NÃO INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. HIPOTECA CONSTITUÍDA SOBRE VÁRIOS IMÓVEIS E SUAS BENFEITORIAS. PEDIDO DE REDUÇÃO DA GARANTIA PELA SUA VALORIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INDIVISIBILIDADE DA HIPOTECA. PRINCÍPIO INSTITUÍDO PELA LEGISLAÇÃO CIVIL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL EM SENTIDO CONTRÁRIO. INTELIGÊNCIA DO ART. 1419 DO CC/2002 (ART. 755 CC/1916). RECURSO DESPROVIDO.
1. "Se a empresa utiliza do financiamento bancário para fomentar ou dinamizar seu próprio negócio lucrativo, não pode invocar a aplicação das regras do Código de Defesa do Consumidor, a ensejar-lhe tutela legal especial, seja pela ausência de uma relação de consumo, seja porque não pode ser considerada destinatária final da relação travada".
2. "Salvo previsão contratual expressa, a garantia hipotecária não pode ser reduzida, a teor do art. 1.419 do CC vigente (art. 755 do CC/1919), posto ficar, por vínculo real, sujeito ao cumprimento da obrigação. Isso porque, ensina Eduardo Espínola: 'A lei declara a hipoteca indivisível. Para esta disposição concorreram duas razões poderosas: a dificuldade prática de operar na garantia hipotecária reduções correspondentes às reduções da dívida, e o pensamento de assegurar ao credor uma proteção mais eficaz'" ("Os Direitos Reais no Direito Civil Brasileiro", Ed. Conquista, Rio de Janeiro, 1958, nota nº 20, p. 409).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível, sob nº 413014-7, da Comarca de Curitiba, em que são apelantes Rimafra Supermercados Ltda e outros e apelado Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul - BRDE.
1. Rimafra Supermercados Ltda, Evalsonir Ruzza e Terezinha Ruzza ajuizaram ação de redução e substituição de garantia hipotecária em face de Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul - BRDE, narrando que em 17.06.97, emprestaram do réu o valor de R$ 1.740.000,00, mediante a assinatura de Cédula de Crédito Comercial, a ser paga após o período de carência, em 60 prestações mensais e sucessivas, dando em garantia hipotecária um imóvel rural, e os intervenientes, também em hipoteca, outros quatro imóveis descritos na inicial, garantias essas que vieram a se valorizar demasiadamente em relação à divida. Invocando ofensa ao Código de Defesa do Consumidor, requereram fosse excluída a cláusula hipotecária sobre os bens pertencentes aos terceiros garantidores, permanecendo esta unicamente com relação ao imóvel de propriedade do devedor principal, acrescido das construções, benfeitorias e instalações realizadas com os recursos próprios e advindos do financiamento obtido.
Citado, o réu apresentou contestação (fls. 58/70), a qual não sofreu impugnação pelos autores, apesar de intimados para tanto (fls. 93/4).
Deferida a produção de prova pericial (fls. 100), apresentados os quesitos pelos autores (fls. 101/7) e pelo réu (fls. 108/9) o laudo e respectivos documentos foram apresentados às fls. 390/883, seguindo-se, após as manifestações dos autores (fls. 889) e réu (fls. 906/10).
Sem a apresentação de alegações finais (fls. 923), sobreveio a r. sentença pela qual o MMº Juiz "a quo" entendeu ser improcedente o pedido, em razão do princípio da indivisibilidade da garantia hipotecária, condenando os autores, ao pagamento da totalidade das custas processuais e honorários advocatícios da parte contrária, fixados em R$ 1.000,00 (fls. 924/9).
Inconformados, os autores apelam, sob os seguintes fundamentos: a) inexistência de óbice legal à redução de garantia hipotecária, até porque constituída sobre diversos imóveis, que podem ser excluídos sem qualquer prejuízo à garantia do crédito; b) submeter a relação jurídica às disposições do Código de Defesa do Consumidor; c) haver excesso de garantias e abusividade da cláusula; d) o prédio dado em garantia, localizado em Toledo, suplanta em três vezes o valor do financiamento, atualizado; e) deve ser aplicado o princípio da menor onerosidade, pois parte dos bens dados em garantia é suficiente para pagamento do débito (fls. 931/40).
Contra-razões às fls. 944/51.
Em parecer ofertado, a Procuradoria Geral de Justiça opinou pela desnecessidade da intervenção do Ministério Público no presente feito (fls. 971/2).
É o relatório.
2. Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou improcedente o pedido inicial formulado em ação de redução e substituição de garantia hipotecária.
2.a. Primeiramente é de se analisar a aplicabilidade ou não das disposições do Código de Defesa do Consumidor.
Nesse aspecto o recurso não merece ser provido, até porque, si et in quantum, - isto é, sem prova plena da hipossuficiência - o Código de Defesa do Consumidor é inaplicável.
Ora, ele - Código - vige para disciplinar as relações de consumo, com o uso imediato e final dos bens e serviços para satisfação das necessidades humanas, razão porque deixou consignado no art. 2º, que sua aplicação só se dá à "...pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". Adotou, pois, conceito bastante claro e minucioso com relação à figura do consumidor: toda pessoa física ou jurídica que adquire bens ou contrata a prestação de serviços na condição de destinatário final. Por ele, é a expressão destinatário final que identifica o consumidor.
Tendo sido acolhida, de forma expressa, e impositiva, a teoria finalista, em seus termos originais, incorreto socorrer-se de interpretação lateral, fora do sistema, para ampliar o conceito de consumidor.
Indiscutível a possibilidade de a pessoa jurídica ser tida como consumidora, em face do contexto normativo da Lei nº 8078/90, desde que destinatária final, isto é, seja o último elo da cadeia produtiva, utilize em benefício próprio dos produtos e serviços.
Restringe, à evidência, seu âmbito às relações de consumo, levando em consideração a destinação a ser dada aos bens e serviços, que são para uso pessoal ou privado dos consumidores, sem interesse de repassá-los a terceiros. Não se aplicam aos contratos privados fora dessa demarcação, que continuam sujeitos às regras do direito comum.
Antonio Herman V. Benjamin, fazendo digressão sobre o tema identifica, na regra do Código, entre outras, o requisito "quanto a finalidade da aquisição: para uso privado, pessoal, familiar, não profissional e comercial" ("O Conceito Jurídico do Consumidor" in R.T. 628, fls. 71, nº 2.2.)
Explica José Geraldo Brito Filomeno, um dos autores do anteprojeto que deu origem à lei consumerista que: "...o conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão-somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial, abstraindo-se, pois, da conceituação sociológica de consumidor, qualquer indivíduo que frui ou utiliza de bens e serviços ("Código Brasileiro de Defesa do Consumidor" Ed. Forense Universitária, 7ª ed., p. 26/27).
O próprio Carlos Alberto Bittar, que esposa tese mais ampliativa, não foge da limitação de que consumidor será tanto a pessoa física quanto a jurídica, e bem assim a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, com a condição de que constituam o "elo final da cadeia produtiva" ("Direitos do Consumidor", Forense Universitária, 4ª ed., 1995, p. 28).
Nem pode haver interpretação diversa, porquanto a mens legis tem como finalidade proteger os destinatários finais, dos produtos ou serviços adquiridos. A tutela do consumidor só existe porque este é a parte vulnerável das relações contratuais no mercado.
Não pode ser consumidor, anota Toshio Mukai, "... quando o faça na condição de empresário de bens e serviços com a finalidade de intermediação ou mesmo como insumos ou matérias-primas para transformação ou aperfeiçoamento com fins lucrativos..." ("Comentários ao Código de Proteção do Consumidor", Saraiva, 1991, art. 2º, p. 6).
Para João Batista de Almeida destinatário final deve ser reputado àquele que se vale do serviço ou mercadoria "...para uso próprio, privado, individual, familiar ou doméstico, e até para terceiros, desde que o repasse não se dê por revenda". E, mais em frente esclarece que não se inclui na definição legal "...o intermediário, é aquele que compra com o objetivo de revender após montagem, beneficiamento ou industrialização. A operação de consumo deve encerrar-se no consumidor" ("A Proteção Jurídica do Consumidor", Saraiva, 2003, p. 38).
Portanto, na legislação brasileira não há espaço para discutir se é aplicável a doutrina maximalista, ou finalista, posto existir uma conceituação legal de consumidor, dada pela própria Lei nº 8.078/90, que, de forma categórica aponta os limites do campo de atuação dos atos negociais onde se localiza relação jurídica de consumo. Adotou, de forma concludente, o sentido finalista do conceito.
E correto o legislador porque o universo do alargamento das regras da lei consumerista viria acarretar o desprestígio do fim visado, e, sem qualquer sentido jurídico, reforçar a tutela de profissionais que, mesmo utilizando de recurso para sua atividade de produção, estariam recebendo benefícios especiais, desvirtuando as normas protetoras das pessoas tuteladas.
Como previne Herman V. Benjamim, a ampliação da definição de consumidor, para incluir as pessoas jurídicas, sem qualquer ressalva, pode transformar em óbice ao desenvolvimento do Direito do Consumidor, na medida em que tal conceito jurídico chega a confundir com o similar econômico. E indaga: "...se todos somos consumidores (no sentido jurídico), inclusive as empresas produtoras, por que, então, tutelar-se de modo especial, o consumidor?" (ob. cit., p. 77).
No trânsito desse ponto, esclarece, ainda, com absoluta propriedade, Cláudia Lima Marques que "... se a todos considerarmos "consumidores", a nenhum trataremos diferentemente, e o direito especial de proteção imposto pelo CDC passaria a ser um direito comum, que já não mais serve para reequilibrar o desequilibrado e proteger o não-igual. E mais, passa a ser um direito comum, nem civil, mas sim comercial, nacional e internacional, o que não nos parece correto. A definição do art. 2º é a regra basilar do CDC e deve seguir seu principio e sua ratio legis" ("Contratos no Código de Defesa do Consumidor", Ed. RT., 4ª ed., 2002, p. 278/279).
E mais em frente assevera que: "Em face da experiência no direito comparado, a escolha do legislador brasileiro, do critério da destinação final, com o parágrafo único do art. 2º e com uma interpretação teleológica permitindo exceções parece ser uma escolha sensata" (p. 280).
Quando se fala em consumidor, lembra Herman V. Benjamin, o Código está a se referir a quem, ainda que empresários, se apresentam no mercado como simples adquirentes ou usuários de serviços, sem ligação com a sua atividade empresarial própria (ob. cit., p. 77).
Não se pode olvidar que toda a jurisprudência pátria será construída sobre casos concretos em que o consumidor deve ser, efetivamente, a parte mais fraca da relação de consumo, e não sobre profissionais que reclamam, em suas relações jurídicas mais benefícios do que o direito comercial e civil já lhes concede.
O belga Thierry Bourgoignie, considerado o mais brilhante jurista europeu a discorrer sobre a matéria, conceito de consumidor, repousa na premissa da figura de quem adquire a título privado. Deste modo "....não é qualquer argüição que configura ato de consumo. Adquirir para transformar ou para revender não é, evidentemente, ato de consumo, no sentido que lhe empresta o direito do consumidor. A aquisição que visa um fim profissional não é ato de consumo na acepção jurídica. Ato profissional é ato de consumo" ("O conceito jurídico de consumidor", Revista do Direito do Consumidor", R.T., vol. 2 (março de 1992), p. 28).
Em análise derradeira, dir-se-ia que o ponto fundamental para bem compreender o conceito de destinatário final é saber o exato momento do encerramento da cadeia produtiva, isto é, quando efetivamente o bem ou serviço adquirido não se presta para gerar outro bem ou serviço.
Em sendo assim, apropriado afirmar que estará ausente a relação de consumo quando o adquirente da coisa ou contratante do serviço vise lucro ou tenha fito profissional em sua aquisição.
Nesse sentido compreensão do próprio IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor:
"A aquisição para revenda, por apresentar uma destinação eminentemente profissional, não é protegida pelo Código de Defesa do Consumidor. Não há aí consumidor, na acepção jurídica. Só a aquisição para fins não profissionais, isto é a que não se processa no exercício das funções de produção, de transformação ou de distribuição, recebe a tutela especial do Código.
(...)
O fundamental é que o produto ou serviço não seja adquirido com a finalidade de produção ou comercialização, mas sim para uso próprio, alheio à atividade econômica" (Marilena Lazzarini, Josué Oliveira Rios, Vidar Serreano Nuines Jr., "Código de Defesa do Consumidor", ASV Editora, 1991, págs. 12 e 28).
É preciso apartar o joio do trigo, separando, adequadamente, os atos de consumo dos negociais atinentes à vida comercial ou civil. Quem adquire ou se utiliza de bem ou produto para obtenção de lucro, ou para utilizar em sua destinação profissional, não pode ser tido como consumidor. Também não será, pelos mesmos motivos, quem faz empréstimo destinado a implementar a sua atividade empresarial.
Em conclusão: o Código de Defesa do Consumidor só regula situações em que haja um consumidor, isto é, que em uma das pontas esteja uma pessoa, física ou jurídica, que adquire o produto ou serviço para uso ou consumo próprio.
Tem-se, por outro lado, que, em se tratando de pessoa física, a presunção é de que ela se utiliza deles na qualidade de destinatário final. O mesmo ocorre com as pessoas jurídicas sem finalidade de lucros, pois, em princípio, contratam em benefício próprio. A vulnerabilidade, ou hipossuficiência, é presumida.
Inversamente, com relação à pessoa jurídica, caso dos autos, há presunção de que utiliza dos valores para sua atividade produtiva, até porque se trata de contrato de financiamento com hipoteca que acabou por permitir a construção de prédio comercial cuja avaliação ultrapassa a casa dos cinco milhões de reais e, surgindo disso ser ônus do beneficiário a prova de que emprestou o dinheiro na qualidade de destinatária final, o que obviamente não é a situação em comento.
Isso, por sinal, já foi afirmado, por unanimidade, no antigo IIIº Grupo de Câmaras Cíveis, nos embargos infringentes nº 138284-9/02, de São José dos Pinhais, em que fui relator.
1. "Deve a pessoa jurídica, nos contratos firmados com os bancos, fazer prova de ser destinatária final do mútuo ou do crédito bancário realizado. Sem esta prova, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor é inviável, pois a presunção é de ter utilizado dos recursos em sua atividade produtiva, não podendo, nesta hipótese, ser enquadrada como consumidora" (Ac. nº 1378. Data da publicação: 20.05.2005).
Por isso mesmo, há de seguir a orientação de José Reinaldo de Lima Lopes, e distinguir, nas relações firmadas por instituição financeira, se o crédito destina-se ao consumo, ou seja, ao investimento ou à produção. E acentua que "...o primeiro está abrigado no Código de Defesa do Consumidor, o segundo não. Isto não significa que o tomador de crédito não ao consumo esteja desprotegido: significa apenas que o seu sistema de proteção não é o de consumidor" ("Direito do Consumidor", Revista nº 22 (abril/junho/1997), in "Consumidor e Sistema Financeiro", nº 3, p. 95).
Aliás, muitas vezes um cliente de um banco não opera como consumidor, mas como investidor.
Ainda com relação aos contratos bancários, lembra Cláudia Lima Marques, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, (AGA 296516/SP e REsp 296516, ambos relatados pela Min. Nancy Andrighi), "...ensina que, na complexidade da prestação múltipla bancária e na abstração do crédito, há uma espécie de presunção de vulnerabilidade dos clientes bancários (pessoas físicas)" (ob. cit., p. 453).
E, aduz mais em frente, dentro da visão finalista deve ressaltar a importância da destinação final e da vulnerabilidade "...e como ensina o REsp. 264126/RS, o importante para a classificação como consumidor stricto sensu é a destinação final econômica; "Tratando de financiamento obtido por empresário, destinado precisamente a incrementar a sua atividade negocial, não se podendo qualificá-lo, portanto, como destinatário final, inexistente é a pretendida relação de consumo. Inaplicação no caso do Código de Defesa do Consumidor" (p. 455).
Portanto a lei consumerista abarca as operações bancárias, inclusive as de mútuo ou de abertura de crédito, pois, em princípio, ligadas às relações de consumo.
Esse é o entendimento de Nelson Nery Júnior:
"Já para os devedores pessoa jurídica, a presunção é de que emprestam ou tomam crédito do banco para ser utilizado em sua atividade produtiva, isto é, para aplicar em sua linha de produção, montagem, transformação de matéria-prima, aumento de capital de giro, pagamento de fornecedores, etc. O ônus da prova de demonstrar que emprestou como destinatário final é da pessoa jurídica que celebrou o contrato de mútuo ou crédito com o banco" (in "Código de Defesa do Consumidor Comentado" pelos autores do anteprojeto, 7ª ed., Editora Forense Universitária, 2001, p. 472).
Também Cláudia Lima Marques repele a aplicação de consumo quando não finalizado o elo da cadeia produtiva: "... é necessário ser destinatário final do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção de novos benefícios econômicos (lucros), o bem estaria sendo transformado novamente, usando como instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu".
"Nesse sentido, podemos concluir que os contratos entre o banco e os profissionais, nos quais os serviços prestados pelos bancos estejam, em última análise, canalizados para a atividade profissional destas pessoas físicas (profissionais liberais, comerciantes individuais) ou jurídicas (sociedades civis e comerciais), devem ser regidos pelo direito comum, direito comercial e leis específicas sobre o tema. Só, excepcionalmente, por decisão do Judiciário, tendo em vista a vulnerabilidade do contratante e sua situação análoga ao do consumidor stricto sensu, serão aplicadas as normas especiais do CDC a estes contratos entre dois profissionais" (in "Contratos no Código de Defesa do Consumidor", Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 1995, págs. 141 e 142).
Não se está a negar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, o que já é pacífico tanto na doutrina como na jurisprudência, tanto assim que a questão está sumulada no Superior Tribunal de Justiça (Súmula 297), nem às situações em que o correntista seja uma pessoa jurídica. Basta que ela, entretanto, prove ser destinatária final do empréstimo ou crédito bancário que buscou. Não se aplica, porém, a referida legislação ao empréstimo de dinheiro para o desenvolvimento de uma atividade lucrativa.
Nesse sentido a inteligência do Superior Tribunal de Justiça:
"Tratando-se de financiamento obtido por empresário, destinado precipuamente a incrementar a sua atividade negocial, não se podendo qualificá-lo, portanto, como destinatário final, inexistente é a pretendida relação de consumo. Inaplicação no caso do Código de Defesa do Consumidor. Recurso Especial não conhecido" (STJ, REsp. nº 264126/RS e nº 218.505/MG, ambos da 4ª Turma, relatados pelo Min. Barros Monteiro).
Conceber um conceito lato de consumidor, dizem os doutrinadores, seria estabelecer o desvirtuamento do instituto por conferir a pessoas, físicas ou jurídicas, que não necessariamente se encontrem em posição de vulnerabilidade, a merecer proteção especial. A interpretação tem que estar direcionada a mens legis, recaindo para determinada categoria de pessoas, tidas como vulneráveis, hipossuficientes, para que ela seja mais justa e eficaz.
In casu, a recorrente, empresa Rimafra Supermercados Ltda., pessoa jurídica com fins lucrativos, caracteriza-se claramente como consumidora intermediária, porquanto se utiliza dos serviços de crédito prestados pelo Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul - BRDE com intuito único de incrementar sua própria atividade produtiva.
A empresa recorrente não utilizou os serviços bancários como destinatária final, valendo-se dos mesmos para fomentar ou dinamizar seu próprio negócio lucrativo, consistente da construção de prédio de mais de 8.000m2 destinado a abrigar a sede do hipermercado, não se caracterizando, tampouco, como hipossuficiente na relação travada com a sociedade bancária, pelo que, ausente a presença do consumidor, não se há falar em relação merecedora de tutela legal especial.
Conseqüentemente, não se há falar em abusividade ou desequilíbrio na cláusula contratual que previu a instituição de hipoteca sobre os imóveis dados livremente em garantia pela empresa apelante, fundamentado no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor.
2.b. A pretensão à redução da garantia hipotecária não tem previsão no instrumento do negócio jurídico realizado entre as partes.
Dessa forma, o almejado provimento judicial esbarra na indivisibilidade da hipoteca, um de seus atributos ou características peculiares, expresso que está no art. 758 do Código Civil/1916, aplicável ao caso: "O pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título, ou na quitação".
Não se há falar em liberação da garantia, pois esta não pode ser imposta ao credor, segundo disposição legal. Sobre o assunto, a doutrina nacional não deixa dúvidas, a exemplo do que explica Orlando Gomes: "Significa a indivisibilidade que o ônus real grava a coisa na sua totalidade e em todas as suas partes, pouco importando que seja dividida ou que a dívida seja amortizada. Assim, o devedor que tenha pago parte da dívida não obtém redução proporcional da garantia hipotecária; o bem hipotecado continua a garantir o pagamento do saldo sem qualquer diminuição, tal como gravado ao se constituir a relação" ("Direitos reais". 9ª ed. Rio: Forense, 1985, nº 275, pp. 363/4).
Mesmo o fato de haver pluralidade de bens vinculados à garantia, a situação não altera o mencionado atributo da hipoteca, na medida em que a divisibilidade daqueles nem de longe interfere na indivisibilidade desta, pois consoante lição de Darcy Bessone: "(...)indivisível, no sentido de que a divisão da coisa, ou da prestação devida ao credor, não acarreta a da hipoteca (arts. 758 e 766) Daí dizer o Código Justiniano: 'Hipoteca est tota in Toto, et tota in qualibet parte'" ("Direitos reais". São Paulo: Saraiva, 1996, nº 252, p. 339).
Não difere a ensinança de Carvalho Santos: "Cada um dos bens, para esses efeitos, é havido perfeitamente equiparável a uma parte de um único bem".
E prossegue adiante: "(...) O certo é que, por traduzir apenas a vontade presumida das partes, o princípio da indivisibilidade dos direitos reais ou da coisa objeto da garantia pode comportar exceções, desde que essa vontade das partes se tenha manifestado noutro sentido, a saber: por disposição expressa no contrato ou no título de quitação" ("Código Civil Brasileiro Interpretado". Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989, vol. X, pp. 40/1 e 43)
Ainda que se tenha comprovado que o quantum da dívida é inferior ao valor dos bens, como a hipoteca tem natureza indivisível, por conta disso, deve responder integralmente pelo valor do débito a que adere.
A respeito leciona Caio Mário da Silva Pereira : "Enquanto não liquidada, a hipoteca subsiste por inteiro sobre a totalidade dos bens gravados, ainda que ocorra pagamento parcial (...). A indivisibilidade é da hipoteca em si. Não depende da indivisibilidade da coisa hipotecada nem tem o poder de gerá-la" ("Instituições de Direito Civil", vol. IV, 18ª ed., 2.004, Forense, pág. 370).
Não é demais lembrar que as partes convencionaram livremente quais os bens que seriam vinculados à garantia do empréstimo, não havendo notícia de que a vontade de quem quer que seja estivesse viciada no momento do pacto. Obviamente, a apelante, ao tomar emprestada tão vultosa quantia, já há dez anos atrás, como sói acontecer, se precaveu junto ao seu departamento jurídico com o fim de analisar a proposta de crédito, o contrato, constituição das garantias e conseqüências relativas à assinatura da avença. E, diga-se, se não o fez, responde agora por sua incúria.
Nem se pode olvidar que o Código Civil vigente estabelece que nas dívidas garantidas por hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação.
O princípio da indivisibilidade da hipoteca é estabelecido no interesse do credor, sem dúvida. Visa proteger o sistema bancário, o crédito e o bem hipotecado, evitando que o devedor pulverize a coisa, dificultando a execução da garantia, restando, assim mitigado o princípio da menor onerosidade ao devedor.
Aliás, como já assentou esta 13ª Câmara Cível, em situação semelhante: "Esta indivisibilidade visa assegurar ao credor a solução de seu crédito, embora a coisa dada em garantia possa ser dividida, haja vista, que a indivisibilidade não é do direito real em si, mas, da coisa dada em garantia que é considerada indivisa, não podendo ser reduzida, pouco importando seja dividida ou que a dívida seja amortizada (Ag. Inst. nº 320095-1, rel. Des. Milani de Moura, DJE de 18/08/2006).
Convém não deslembrar que se o valor da dívida tivesse sido pago nas datas aprazadas, já há mais de cinco anos, as garantias estariam todas liberadas em favor dos apelantes, que poderiam dispor delas livremente.
Por fim, cabe ressaltar que este Tribunal adota o princípio da indivisibilidade da hipoteca em situações semelhantes:
"(...) 2. Em face da indivisibilidade da hipoteca e do risco de frustração da arrematação caso se reduza a penhora, impõe-se que a totalidade dos bens hipotecados seja levada à praça, efetuando-se a venda separadamente (excepcionada aqui a regra do art. 691 do CPC), sendo suspensa a arrematação tão logo o produto da venda baste para a satisfação do crédito (art.692, parágrafo único)" (Ag. Inst. nº 241400-0, 3ª Câmara Cível (extinto TA), Rel. Juiz Noeval de Quadros, DJ. 31/10/2003).
E também:
"(...) 2. Para que se possa assegurar plena e eficazmente o pagamento da dívida, a hipoteca é considerada indivisível pela Lei, segundo os artigos 758 e 811 do CCB" (Ag. Inst. nº 0192297-0, 5ª Câmara Cível (extinto TA), Rel. Juiz Arno Gustavo Knoerr, DJ. 27/09/2002).
As decisões do Superior Tribunal de Justiça não discrepam:
"Processual Civil. Execução de Título Extrajudicial. Indivisibilidade da Garantia Real. I - Hipotecado o imóvel, não pode a penhora, em execução movida a um dos co-proprietários, recair sobre parte dele. Sendo indivisível o bem, importa indivisibilidade da garantia real, a teor dos artigos 757 e 758, do Código Civil. II - Precedentes do STJ e STF. III - Recurso conhecido e provido" (REsp 143802/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 21.08.2000, p. 116).
Por fim:
"Hipoteca. Penhora. Artigos 757 e 758 do Código Civil. Precedente da Corte. 1. Já decidiu a Corte que hipotecado o imóvel, "não pode a penhora, em execução movida a um dos co-proprietários, recair sobre parte dele. Sendo indivisível o bem, importa indivisibilidade da garantia real, a teor dos artigos 757 e 758, do Código Civil". 2. Recurso especial conhecido e provido" (REsp 282478/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 28.10.2002, p. 309).
Do voto vista exarado naquele Recurso Especial pelo Min. Ari Pargendler, extrai-se a lição:
"A hipoteca é indivisível, a dizer, cada porção do crédito é garantida pela hipoteca inteira e cada porção da coisa hipotecada garante o crédito inteiro.
Est tota in toto: C. recebe 2/3 da dívida, a coisa dada em garantia não está desonerada por 2/3, continua gravada para a segurança do 1/3 que resta em débito.
Para se pagar deste terço restante, C. pode excutir a totalidade da coisa".
...
"A indivisibilidade não é da essência da hipoteca; a lei a estabeleceu por interpretação da vontade das partes, e para melhor garantir o credor.
E, pois, mui bem podem as partes expressar sua vontade pactuando, no título ou na quitação, que a hipoteca seria divisível, e extinguir-se-ia na proporção dos pagamentos feitos" (Direito Real de Hipoteca, Tito Fulgêncio, edição atualizada pelo juiz José de Aguiar Dias, Forense, Rio, 1960, Vol. I, p. 54).
"São sempre atuais as palavras de Lafayette: 'A lei declara a hipoteca indivisível. Para esta disposição concorreram duas razões poderosas: - a dificuldade prática de operar na garantia hipotecárias reduções correspondentes às reduções da dívida, e o pensamento de assegurar ao credor uma proteção mais eficaz'" (Os Direitos Reais no Direito Civil Brasileiro, Eduardo Espínola, Conquista, Rio de Janeiro, 1958, nota n. 20, p. 409)".
Desta forma, nega-se provimento ao recurso de apelação.
Pelo exposto,
ACORDAM os Desembargadores integrantes da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso interposto, nos termos da fundamentação.
Acompanharam o voto do Exmo. Des. Relator, o Exmo. Des. Cláudio de Andrade, Presidente, e o Exmo. Juiz Conv. Fernando Wolff Filho, Revisor.
Curitiba, 23 de janeiro de 2.008.
Des. Airvaldo Stela Alves - Relator
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJPR - Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. TJPR - Comercial. Cédula de crédito comercial. Financiamento com o objetivo de incrementar negócios da empresa. Não incidência do código de defesa do consumidor. Hipoteca constituída sobre vários imóveis e suas benfeitorias Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 fev 2011, 10:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Jurisprudências /23533/tjpr-comercial-cedula-de-credito-comercial-financiamento-com-o-objetivo-de-incrementar-negocios-da-empresa-nao-incidencia-do-codigo-de-defesa-do-consumidor-hipoteca-constituida-sobre-varios-imoveis-e-suas-benfeitorias. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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